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O Homem Comum é o nosso princial agressor - #minhahistoriadeviolencia


 

Eu tinha dez anos quando sofri o primeiro assédio e nem imaginava que seria abusada no mesmo ano. Eu estava indo à igreja com a minha mãe, andava um pouco à frente dela. Quando passamos pela praça, um homem passou por mim e disse "que peitinhos lindos". Eu congelei, eu era uma criança e mal tinha começado a usar sutiã. Fiquei constrangida, mas não disse nada à minha mãe.


Algumas semanas depois, comecei a ser seguida no caminho pra escola. Eu passava por um terreno baldio e logo percebi que era lá que ele me esperava. Ele me seguiu por dias, semanas e eu não tive coragem de pedir ajuda de ninguém. Não sei dizer o motivo, provavelmente porque nunca me senti à vontade pra conversar abertamente com os meus pais. Logo nos primeiros dias eu reconheci o seu rosto e vi que era o mesmo homem que mexeu comigo na praça. Depois ele me contou que ficava olhando as crianças brincando e era lá que escolhia as "amiguinhas", como ele chamava as vítimas.


Eu fazia vários trajetos diferentes, na tentativa de despista-lo, mas nunca dava certo e ele sempre surgia na minha frente ou ao meu lado quando eu menos esperava. Quando ele se aproximou de mim pela primeira vez, eu estava numa rua movimentada e resolvi correr porque pensei que ele não ia me seguir e deu certo. Depois disso ele ficou uns dias sem me seguir e eu cheguei a pensar que ele tinha desistido de mim.


Até que num outro dia ele apareceu num ponto diferente do meu caminho. Mais uma vez eu tentei mudar o trajeto, mas acabei numa rua vazia. Eu estudava de manhã, saía cedo e todas as casas daquela rua estavam fechadas, não tinha ninguém na rua, eu tive medo de gritar e correr, fiquei paralisada, ele puxou o meu braço, beijou o meu pescoço, mostrou que estava armado e me levou pra um carro. Eu não sei dizer quanto tempo se passou, mas pra mim pareceu uma eternidade. Depois ele me largou numa praça perto da minha escola.


Isso aconteceu na última semana de aula. Eu não contei pra ninguém, nem pros meus pais, nem pra ninguém na escola e ninguém percebeu que havia algo diferente em mim. No ano seguinte eu mudei de turno mas ainda tinha muito medo de passar por tudo aquilo de novo e chorava todos os dias pedindo pra não ir à escola. Mas não conseguia contar o que aconteceu, simplesmente travava quando perguntavam por que eu não queria ir.


Eu não conseguia dormir, tinha pesadelos a noite toda, foi quando surgiu a paralisia do sono que atrapalha o meu sono até hoje. Eu perdi a vontade de sair de casa e quando saía ficava com medo de vê-lo novamente, ficava olhando pra trás o tempo todo, com a sensação de que estava sendo seguida.


Eu sempre tive boas notas, mas a partir da quinta série o meu desempenho caiu bastante. Logo no primeiro bimestre eu fiquei com nota vermelha em Língua Portuguesa - e isso era inaceitável já que os meus pais eram professores de inglês e português. Perdi o interesse nas aulas, deixava os livros em casa, recebia inúmeras advertências mas tudo isso era visto pelos outros apenas como preguiça.


Eu me fechei. Eu cheguei a fazer terapia por anos por causa de depressão e ansiedade, mas nunca me senti à vontade pra falar sobre o abuso, sofri em silêncio, guardei essa dor porque me culpava por tudo, por não ter tido coragem de falar com alguém e evitar esse abuso, por não ter denunciado. Mas hoje eu sei que a culpa não foi minha e posso me livrar desse peso.


O homem que fez isso comigo não era um monstro, doente ou incapaz de responder pelos seus atos. Ele tinha plena consciência do que fez e planejou tudo, ele mesmo disse que me escolheu na praça em que eu brincava com a minha irmã e outras crianças. Ele seguiu a vida como se nada tivesse acontecido. Continuou indo à praça, à padaria, se reunindo com amigos pra jogar futebol... E eu fiquei marcada por esse abuso, passei a odiar o meu corpo tão cedo, tive a vida escolar prejudicada, passei a ter medo de sair de casa.


Ele é um homem comum, como tantos outros que se sentem no direito de violar crianças e mulheres e depois seguem em frente sem um pingo de culpa. Um homem como tantos outros que tentam culpar as mulheres que sofrem abuso e protegem os seus amigos e familiares abusadores.


Nenhuma criança, nenhuma mulher merece ser estuprada e não há nada que justifique ou minimize a culpa do estuprador. Parem de culpar as mulheres e passar a mão na cabeça dos homens!

 

* Relato enviado via e-mail como parte da campanha #minhahistoriadeviolencia lançada pelo Instituto Mana em fevereiro/18.

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