Meu corpo foi violado aos 6 anos de idade. Por um primo - #minhahistoriadeviolencia
Eu venho pensando nesse texto há dias. É difícil escolher uma história só. Fiquei me perguntando qual delas eu gostaria de compartilhar.
Resolvi falar sobre o abuso sexual que sofri aos 6 anos de idade e que trouxeram neuras e paranóias agora esmiuçadas nas sessões de terapia.
Meu corpo sinaliza pras pessoas. Fui violada. Desenvolvi um desejo sexual desmedido e uma necessidade pela aprovação do sexo masculino. Isso mudou muito nos últimos anos, mas ainda estou em constante superação.
O problema de falar nisso, é que eu continuo aqui viva, tendo que me relacionar com todos os gêneros, independente do meu corpo ter sido violado ou não.
Sobre o caso: Eu tenho duas lembranças dos abusos que sofri por um primo. Esse primo, foi abandonado pela mãe e o pai dele morreu. Ele era bem novo. Ele teve que morar na casa de uma tia que tinha mais condições pra ajudar ele e a irmã dele.
As duas lembranças aconteceram na casa dessa tia. Era sempre muito legal ir até lá. Essa tia foi a mais bem sucedida do que o resto da família no quesito qualidade de vida. Ela sempre tinha novidades tecnológicas.
Em uma visita à casa dela, meu primo pediu pra me mostrar uma filmadora. Ele fechou a porta do quarto. Deu a câmera na minha mão. Me virou de costas. E enquanto eu mexia na câmera com curiosidade, ele começou apalpar minha bunda (uma bunda de uma menina de 6 anos!). Ele chegou a tirar o pênis dele da calça e empurrar contra a minha bunda. Eu fiquei paralisada. Eu sabia o que tava acontecendo. Mas não conseguia reagir.
Noutra vez, ele numa brincadeira de me abraçar, acabou roçando o pênis dele com força na minha perna.
Em ambas situações eu não fiz nada.
Minha prima, que na época era minha melhor amiga, um dia se abriu e contou que ele chegou perto dela. A filha da empregada da casa da minha tia também comentou que ele fazia isso com ela. O amor pela minha prima era maior do que por eu mesma e assim que ela me contou me veio uma raiva tão grande que resolvi contar pra minha mãe.
Eu lembro da minha mãe falando "não fale pra nenhum homem da família, senão vão espancá-lo". A partir daí meus encontros com ele diminuíram e ele nunca mais fez nada. Comigo pelo menos.
(Gostaria MUITO de pontuar o fato dos homens resolverem isso na porrada. Isso dificulta a resolução do problema.)
Há alguns anos atrás, eu e ele conversamos abertamente. Eu comentei sobre as lembranças e no quanto isso me afetou. Ele pediu desculpas. Mas não parou por aí. Ele me contou que fez isso com quase todas as primas. Inclusive, ele assumiu que estuprava uma prima minha. Ia na cama dela de madrugada enquanto ela "dormia". Ele chegou a falar algo do tipo "mas ela vinha atrás de mim" ou "ela gostava". Tive estômago pra aguentar toda a fala dele. Ele chegou a falar que sentiu atração pela nossa tia uma vez. Ele falou que era meio confuso.
Quando descobri que ele ia ter uma menina como filha me deu um alívio, achei que isso o faria repensar suas ações e parar de uma vez por todas com aquilo. Mas um tempo depois ele assediou uma prima, que mesmo mais velha, não soube reagir.
Apesar de tudo, eu o perdoo, e estou constantemente me perguntando, qual a dificuldade do homem controlar seus impulsos sexuais e respeitar o corpo de outra pessoa e o que passa na cabeça dele quando ele decide violar o corpo de outra pessoa.
Eu sempre vivi a vida como uma pessoa violada. Através da terapia eu consigo perceber os conceitos que me definiam como pessoa e agora me permito sentir mais e julgar menos. Quando o nosso corpo é violado tudo ao redor ganha um tom escuro. Tipo quando o menino do "stranger things" vai "pro outro lado".
As pessoas que não foram violadas tornam-se pessoas desprezíveis. Claro que fulana é bem sucedida, seu corpo foi respeitado. Ouvir dele que minha prima foi estuprada (e NUNCA ter ouvido nem um pio por parte dela) me fez compreender que mais pessoas do que eu imagino também foram violadas. E todas as confusões das relações começam a fazer sentido, diminuindo minha mania de julgar os outros pelo mal que eu acho que elas não sofreram.
Outro fato que percebi através de reflexões é do assediador não entender que ele tá violando um corpo. E pior, ao fazer isso e não receber uma reação negativa, ele acha que a assediada está gostando.
Dito isso, acredito que a educação sexual poderia ter feito toda a diferença na minha vida. A falta de reação naquele momento em que fui assediada era uma mistura de descrença que aquilo estava acontecendo e a curiosidade da apresentação aos estímulos sexuais do meu próprio corpo. Talvez se não houvesse tanto tabu sobre sexualidade, se não fosse tão romantizado, talvez eu entendesse mais meu corpo e já soubesse ali que aquilo era só meu e de mais ninguém.
As consequências latentes desse infortúnio ainda rodeiam minha vida. O trabalho de superar a violação do corpo é diário e a atenção aos meus movimentos tornou-se hábito. Mas as consequências comportamentais dessa violação é pano pra manga. Mando mais colocações numa outra hora.
Por enquanto, é isso.
Obrigada pelo trabalho de vocês!
* Relato enviado via e-mail como parte da campanha #minhahistoriadeviolencia lançada pelo Instituto Mana em fevereiro/18. A identidade da mulher que sofreu a violência foi preservada em respeito a escolha dela.
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