Não é elogio se eu me sinto violada
Uma das facetas mais cruéis do assédio sexual vivenciado pelas mulheres nos espaços públicos é a sua dissimulação. É o fato de muitos homens se utilizarem de palavras em sua literalidade aparentemente boas para para assediarem: linda, princesa, boneca, gostosa… ora, não são essas palavras elogios? Do que as mulheres estão reclamando? Bom, a questão é que infelizmente nem tudo é tão simples quanto parece. Por trás dessas palavras aparentemente inocentes há olhares lascívos e tons de vozes insinuantes vindos de homens desconhecidos, com os quais você não tem e nem quer ter qualquer intimidade.
Por trás desses “elogios” tem uma sociedade violenta e desigual, dentro da qual as mulheres crescem ouvindo que “precisam se dar o respeito”, crescem ouvindo que “homem não sabe se controlar”, cresceram aprendendo a ter medo. Nessa sociedade real, homens usam uma simples expressão como “bom dia” e conseguem utilizá-la de uma forma que, nas entrelinhas, a mulher que ouve sabe que na verdade quer dizer: “Estou falando com você para que você saiba que estou te despindo com meus olhos e estou te desejando sexualmente”. Isso é ameaçador para as mulheres. Sabe por que? Porque em nossa sociedade a gente cresce temendo estupro e enxergando cada homem na rua como um possível violentador. A mulher que é assediada diariamente sabe do que estou falando. Há quase dois anos me mudei para uma cidade no interior do estado de Nova York nos Estados Unidos. A cidade é pequena e muito pacata. Eu demorei quase três meses para notar que estava sendo mal educada com os homens que cruzavam comigo pela rua e que me davam bom dia enquanto eu, em retorno, devolvia silêncio e total desprezo. Sabe por que? Porque no Brasil aprendi que não se pode responder os inúmeros “oi”, “bom dia”, “fiu fiu” ou qualquer coisa que o valha que a gente ouve dos homens na rua porque senão significa que você está dando mole. E se estiver dando mole e for violentada, é porque mereceu, porque quis. Isso porque estamos falando apenas das palavras mais “inocentes” que segundo os homens, são utilizadas apenas para nos “elogiar”. Porque tem homem que nem se dá ao trabalho de disfarçar e usa palavras chulas mesmo, acompanhadas de gestos obscenos, xingamentos ou o pior, toques não consentidos. Quantas mulheres por exemplo já não passaram por situações degradantes como: verem um homem se masturbando em público olhando para ela; ter que ouvir como o "peitinho" dela “é uma delicia”, estar no transporte público e ter que fugir de encoxadas, ser perseguida na rua, ser xingada porque não respondeu a uma cantada de um cara qualquer? Aos desavisados de plantão vou logo adiantando que não são poucas as mulheres que passaram por isso, muito pelo contrário. E caso não acredite, faca um exercício e pergunte àquelas que convivem com você. As mulheres estão cansadas, traumatizadas, indignadas! Talvez seja difícil compreender que as mulheres, como seres humanos que são, tem direito de simplesmente saírem de casa sem serem incomodadas por qualquer pessoa que seja…diariamente…várias vezes ao dia. Sim, porque não estamos falando de uma “cantada” aqui e outra ali. Estamos falando de MUITOS olhares invasivos, assovios, gritos e sussurros, muitos xingamentos, muitas palavras chulas, muitos gestos e toques nojentos TODO DIA! Está tudo tão deturpado que além de aguentar tudo isso ainda temos que gostar, temos que achar legal, afinal, “que bom que pelo menos alguém teve a bondade de olhar pra mim e me achar um pedaço de carne ambulante ne?” Tem mulher que se contenta com isso? Tem. E quem as pode culpar? Mas eu garanto a você que a maioria das mulheres não aceita, não precisa e não quer essa esmola. Se essa é a forma que a nossa sociedade encontra de “elogiar” as mulheres, tem alguma coisa errada não? Elogio não é algo intimidador, não é algo que se enfia goela abaixo, quer a pessoa queira ouvir ou não, não é eufemismo para assédio, nem ferramenta para ameaçar alguém. Para ser elogio tem que ser algo que pela própria definição da palavra enaltece alguém e não denigre. Nós mulheres trocamos sem titubear esse seu elogio por respeito!
Texto escrito por:
Keila Martins
Diretora Criativa do Instituto Mana